quarta-feira, 17 de março de 2010

LIXÃO É LIXÃO EM QUALQUER LUGAR


Em que os lixões brasileiros perdem para os haitianos?
Bem...lixão é lixão em qualquer lugar do mundo, sem dúvida.
Mas, o lixão daqui é “melhor” do que os brasileiros porque além do lixo de todos os tipos, há o despejo dos caminhões de fossa. Que coisa maluca. Hoje viajamos aproximadamente 60 km (pouco mais de duas horas), atravessando o centro de Porto Príncipe e saindo da cidade. É sempre uma aventura fazer este trajeto, mas percebo que aos poucos a destruição, o caos do trânsito, a miséria das pessoas vivendo em barracas espalhadas pelas calçadas, praças, terrenos baldios, canteiro central da avenida, já não chocam mais tanto. Estou começando a me acostumar com o cenário. Acho que este é o processo de toda pessoa que chega num lugar destes.
Mas, o perigo é perder a sensibilidade e foco e aos poucos desistir de fazer algo que possa realmente surtir efeito no longo prazo.
Hoje fomos no lixão, conhecer um ministério chamado Jesus in Haiti, fundado e dirigido por Tom (americano), e o pastor Roger.
Eles tem um ministério de igreja, escola, orfanato, cuidado com os pobres do lixão, etc. Tudo muito organizado. Tom tem a visão de fazer o que Jesus fazia: cuidava das pessoas, alimentando, curando, e anunciando o reino, ou seja, fazia discípulos. É esta a visão do irmão Tom. Inclusive participamos de uma classe de discipulado, com quase 40 novos convertidos após o terremoto. Uma coisa linda. A maior parte deles jovens.
Ouvimos o testemunho de como 3 deles sobreviveram ao terremoto e estão muito gratos a Deus por isso. Tom é uma pessoa única, solteiro, que veio para o Haiti e Deus deixou bem claro que ele deveria ficar aqui por muitos anos. Agora tem uma família de 30 crianças mais ou menos.
Depois fomos distribuir comida no lixão. Chegando lá as coisas estavam um pouco agitadas, pois o caminhão de comida do exército estava saindo, e jogando os últimos pacotes de comida. É isso, o pessoal joga comida para as pessoas, que dividem o lixão com cabritos e outros animais.

Mas, após uma explicação do nosso tradutor Michael, o pessoal já ficou mais tranqüilo e pudemos nos aproximar deles. Jogamos futebol com uma garrafa de pet vazia. De novo, o futebol abriu totalmente a porta. Wilton brincou capoeira com eles, pregou o evangelho e 4 fizeram uma oração de entrega a Jesus. É incrível o quanto os haitianos amam o futebol e o povo brasileiro.
Depois que as irmãs da igreja Jesus in Haiti tinham feito o almoço, distribuímos os pratos cheios sem problemas.
É um impacto ver pessoas viverem pior do que muitos animais.
O que seria necessário para Jesus mudar esta comunidade?


Algo muito diferente, foi comer a comida pré-preparada para os soldados americanos e canadenses, que foi doada para o Jesus in Haiti. Não tem fogo, mas a comida é aquecida na hora, dentro de um saco plástico, tem variedade, sobremesa, suco, e tudo mais! Muito interessante.

Hoje em nosso tempo de compartilhar e devocional, concluímos que seria interessante não usarmos câmeras fotográficas quando vamos abordar as pessoas ou uma comunidade, porque inevitavelmente estaremos enviando a mensagem que não queremos: turistas mais interessados em ver as pessoas, e tirar suas fotos, do que amá-las, relacionar-se com elas.
Isso tem sido impressionante aqui. As pessoas são muito abertas para relacionamentos. Quase todos da equipe já tem um ou outro amigo. É fato que pode haver interesses de receber algo através da amizade, mas não creio que em todos os casos. E isso nos abençoa também.
Hoje foi um dia super quente, e muito cansativo.
Agora vou dormir....senão amanhã não terei gás.
No amor e na graça,
Roberto.

Um comentário:

  1. Leiam! Vão lhes fazer bem!!! Raquel


    Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
    A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
    E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
    E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
    E porque não abre as cortinas logo se acostuma a acender cedo a luz.
    E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
    A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
    A tomar o café correndo porque está atrasado.
    A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
    A comer sanduiche porque não dá para almoçar.
    A sair do trabalho porque já e noite.
    A cochilar no ônibus porque está cansado.
    A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
    A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
    A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
    A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
    A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
    E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
    E a pagar mais do que as coisas valem.
    E a saber que cada vez pagará mais.
    E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
    A gente se acostuma a poluição.
    As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
    A luz artificial de ligeiro tremor.
    Ao choque que os olhos levam na luz natural.
    As bactérias de água potavel.
    A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
    Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
    Se a praia está contaminada a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
    Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
    Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana.
    E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
    A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
    Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito.
    A gente se acostuma para poupar a vida.
    Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma.

    – Marina Colasanti

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